Acessibilidade

Artigo: Reflexão sobre Marcação a Mercado dos títulos públicos na Previdência Complementar Fechada

Artigo: Reflexão sobre Marcação a Mercado dos títulos públicos na Previdência Complementar Fechada

8/5/2023

Artigo: Reflexão sobre Marcação a Mercado dos títulos públicos na Previdência Complementar Fechada

Ver informativoVer informativo

Artigo: Reflexão sobre Marcação a Mercado dos títulos públicos na Previdência Complementar Fechada

8/5/2023

Artigo de autoria do Diretor de Administração e Investimentos, Sérgio Clark, apresentado à PREVIC em reunião estratégica realizada em Brasília no dia 04/05.


O Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC através da Resolução nº 37, de 13/03/2020, trouxe, dentre outras inovações, a alteração na forma de contabilização dos títulos e valores mobiliários integrantes da carteira própria, da carteira administrada e dos fundos de investimentos exclusivos pertencentes a Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC. Foi definido que, via de regra, ressalvado o disposto nos §§ 2º, 4º e 5º do artigo 30 da referida Resolução, estes passariam a ser classificados como “títulos para negociação”, sendo contabilizados pelo valor de Mercado. Posteriormente, a Resolução CNPC nº37/2020 foi alterada pela Resolução CNPC nº 43/2021, mas sem alterar o cerne do ponto.

A nova regra de classificação de títulos de renda fixa, cuja vigência teve início em 01/09/2020, redefiniu as hipóteses de utilização da marcação a mercado, reduzindo as situações nas quais deve ser utilizada a classificação “até o vencimento”.

A nova medida alcança apenas os planos de benefícios de contribuição variável (Planos CV) e de contribuição definida (Planos CD), exclusivamente na fase de constituição e manutenção de benefícios.

A alteração da contabilização de “até o vencimento” para “negociação” altera a precificação do ativo durante a sua existência e tem impacto direto na performance dos planos de benefícios administrados, com consequência para todos os envolvidos.

A Resolução nº 37 buscaria um alinhamento com as práticas já adotadas no mercado financeiro e de capitais, que utiliza o registro nesta categoria como regra, tendo em vista que a marcação a mercado evitaria a transferência de riquezas entre os cotistas dos fundos de investimento, “além de dar maior transparência aos riscos embutidos nas posições, uma vez que as oscilações de mercado dos preços dos ativos estarão refletidas nas cotas, melhorando assim a comparabilidade entre suas performances” – definição constante no Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas Fundos de Investimento.

A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA NO BRASIL

Segundo a definição da própria Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) são operadoras de planos de benefícios, constituídas na forma de sociedade civil ou a fundação, e sem fins lucrativos, estruturada na forma do artigo 35, da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que tenha por objeto operar plano de benefício de caráter previdenciário. As EFPC são instituições criadas para o fim exclusivo de administrar planos de benefícios de natureza previdenciária, patrocinados e/ ou instituídos.

Depreende-se, portanto, que ao operar/administrar plano de benefício de natureza previdenciária, há clara missão de administrar recursos (riqueza) para alcançar objetivos de rentabilidade no longo prazo.

Segundo o Relatório Gerencial de Previdência Complementar da Secretaria de Previdência de Setembro de 2022 [1], o segmento possui 272 Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), que fazem a gestão de 1.131 planos de previdência nas modalidades Benefício Definido - BD (298), Contribuição Definida – CD (495) e Contribuição Variável – CV (338), com 3,77 milhões de participantes entre ativos, aposentados e pensionistas, e um Patrimônio total de R$ 1,17 trilhão.

A legislação própria, principalmente as Leis nº 108 e 109 de 2001, definem características sui generis desta indústria, por exemplo, as obrigações dos participantes e patrocinadores dos planos de benefício. Os planos, por sua importante finalidade previdenciária, possuem o que se pode interpretar como sendo benefícios fiscais ou regimes diferenciados de tributação da renda, mas, por outro lado, têm restrições para poder contar com o patrocínio pelo empregador e para acesso aos recursos poupados.

Diferentemente dos Fundos de Investimentos regulados pela Instrução CVM nº 555/2014 e dos Planos das Entidades Abertas de Previdência Complementar, nos Planos das EFPCs não há “entrada e saída livre” de recursos dos participantes dos planos, ou seja, uma vez que o participante adere a um determinado plano de benefícios, faz seus aportes de recursos, o acesso a esses recursos se dá de forma restrita e, uma vez tendo saído do plano, o retorno a este é uma exceção. Há todo um arcabouço normativo e regulatório que impele os participantes a permanecerem no plano por um longuíssimo prazo, até a formação de uma poupança previdenciária que possa ser usufruída após a fase laboral deste participante.

A saída prematura destes Planos é bastante onerosa para o participante, visto que as reservas sofrem tributação, dependendo do regime escolhido e do prazo desde o investimento, de até 30% dos recursos aportados mais rendimento, e o acesso aos recursos, muitas vezes, só é possível em caso de desligamento do patrocinador do plano (em caso de demissão).

Na prática é pouco frequente o pedido de resgate dos recursos antes da aposentadoria, ainda conforme apurado no Relatório Gerencial de Previdência Complementar da Secretaria de Previdência de Setembro de 2022 [1], do total de valores regatados do Sistema de Previdência Complementar 95% ocorreram nas Entidades Abertas de Previdência Complementar (total de R$ 119,43 bilhões) e apenas 5% vieram dos planos de previdência das EFPC (total de R$ 5,21 bilhões). Embora não haja menção no relatório, é possível inferir que que a maioria dos resgates em EFPCs deve ser proveniente dos planos não patrocinados, levando em consideração as restrições de acesso ao resgate presentes nos planos patrocinados.

No referido relatório tem-se os dados de resgates desde o ano de 2013, e observa-se que o percentual de resgate dos planos das Entidades Fechadas frente aos patrimônios é sempre muito baixo, representando, na última posição, apenas 1,78% e 0,73% do patrimônio dos Planos CD e CV, respectivamente. No computo geral dos planos observa-se desde 2013 uma captação líquida positiva – diferença entre as captações dos planos e os resgates, sendo R$ 5,56 bilhões e R$ 10,27 bilhões nos Planos CD e CV, respectivamente.

Fonte: Relatório Gerencial de Previdência Complementar, 3º trimestre / Set/2022, Secretaria de Previdência, Ministério do Trabalho e Previdência.

A necessidade de liquidez dos referidos planos de previdência destina-se a honrar seus passivos, majoritariamente, constituídos pelo pagamento de benefícios e não para honrar pedidos de resgate. Os pagamentos dos benefícios são conhecidos e mensurados adequadamente por estudos feitos com base em premissas atuariais aderentes a cada grupo de participantes – população; os resgates não programados de recursos representam parte inexpressiva desta necessidade de liquidez e também são estatisticamente mensuráveis, ou, ainda, atuarialmente tratadas.

De outra parte, o relatório também demonstra através de seus dados que a saída de participantes do segmento de Previdência Complementar Fechada é muito pequena, portanto, não há de se falar em transferência de riquezas entre os participantes do sistema.  

OS EFEITOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA MARCAÇÃO A MERCADO PARA OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR:

O advento da Resolução CNPC nº37 estaria calcada na busca de um alinhamento com as práticas já adotadas no mercado financeiro e de capitais, no entanto, importa destacar que no setor bancário os títulos e valores mobiliários adquiridos por instituições financeiras podem ser registrados em três categorias: I – Títulos para Negociação, II Títulos disponíveis para Venda, e III – Títulos mantidos até o vencimento; sendo que a marcação a mercado ocorre apenas para as duas primeiras categorias (I e II), conforme disposto na Circular nº 3.068/2001 do Banco Central do Brasil (BCB). O artigo 3º da Circular define que os títulos “classificados na categoria títulos mantidos até o vencimento, de que trata o art. 1º, inciso III, devem ser avaliados pelos respectivos custos de aquisição, acrescido dos rendimentos auferidos, os quais devem impactar o resultado do período”.

A luz da Circular BCB nº 3.068/2001 a escolha da classificação é ato de gestão da instituição financeira devendo, no entanto, ter a intenção e a capacidade financeira da instituição de mantê-los em carteira até o vencimento. A definição entre uma classificação e outra observa a liquidez e a estratégia de gestão de ativos e passivos (ALM) da instituição financeira.

Os bancos, que são uma das classes de instituições detentoras das maiores reservas de ativos do Sistema Financeiro Nacional, não tem, por regra, passivos de longuíssimo prazo, nem regras que restringem os pedidos de resgates, podem marcar seus títulos pela curva conforme sua estratégia. Assim, a marcação a mercado não seria a única “regra” do mercado, mas sim uma das possibilidades existentes.

A legislação hoje vigente que tornou a regra usual a Marcação a Mercado dos Ativos de Renda Fixa para os Planos de Benefício do tipo CV e CD, à primeira vista, encontraria então respaldo técnico no sentido de evitar a transferência de riqueza entre os participantes assegurados pelos planos, em caso de pagamentos benefícios ou de institutos em tempos diferentes. Isto é, o pagamento de um resgate em 2023, deve considerar o valor justo dos ativos patrimoniais, inclusive títulos públicos, no momento do pagamento, desprezando o valor na data de vencimento do papel, que neste caso, possivelmente, seria maior.

No entanto, em momentos de alta volatilidade de mercado o efeito prático da medida pode ser justamente o contrário do, aparentemente, pretendido pelo legislador como bem observado em artigo publicado em 22/09/2020 [2], pelos advogados Flavio Martins Rodrigues e Rebecca Molina Ferreto, do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados: “O tema não é trivial e merece o acompanhamento das entidades e demais stakeholders, pois a classificação de ativos como de “títulos para negociação” (a mercado) gera uma volatilidade na cota de planos na modalidade de contribuição definida, que pode não ser a melhor forma de percepção de valor para os participantes. Da mesma forma, tal marcação poderá possibilitar, em alguns casos, uma transferência de recursos entre participantes, o que também não é uma boa prática”.

Em outro artigo publicado anteriormente, em 11/07/2020, pelos advogados Flavio Martins Rodrigues, Rebecca Molina Ferreto, Larissa Katharine Vieira Bosco e Guilherme Bom, eles destacam que a definição deveria ser um ato de gestão: “Em nossa opinião, a marcação na curva ou a mercado deveria ser um ato de gestão da entidade, com fundamento em estudos técnicos que justificassem a classificação em cada plano específico, cabendo à sempre atenta supervisão e fiscalização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) aferir a consistência da decisão da entidade..

Importa ressaltar que o artigo acima citado foi publicado antes mesmo dos mais recentes eventos de alta volatilidade na curva de juros e nos preços dos títulos públicos observados nos anos de 2021 e 2022. Neste período se pegarmos como exemplo a NTNB 2050, uma das mais negociadas no mercado secundário, a variação em 2021 foi negativa em -10,959% e em 2022 foi de -3,263%. A Volatilidade histórica de 10 dias do papel chegou a bater 28,274% em 05/12/2022, mas ficou bastante alta em outras ocasiões como em 12/01/2023 com 28% e 20/01/2023 com 25,45%. Mesmo observando-se janelas mais longas de Volatilidade, como a 21 dias, esta registrou 25,644% em 18/01/2023. Apenas para ter como referência, a Volatilidade de 21 dias em 06/03/2023, da B3 (o índice IBOV) era de 17,69%, portanto bem menor do que a da NTN-B 2050.

A implementação da obrigatoriedade de marcação a mercado, particularmente dos Títulos Públicos de longo prazo, tem “machucado” demais a performance dos planos de benefícios. As fundações, mesmo tendo adquirido Notas do Tesouro (NTN-B) com prazos longos e pagando cupons muito superiores às metas atuarias, sofreram sobremaneira com a volatilidade deste mercado.

De acordo com o estudo mais recente da consultoria Aditus, em 2022, 80% dos Planos CV e 77% dos Planos CD não superaram suas metas atuariais. Em grande medida, eles foram impactados pela performance da marcação a mercado dos Títulos Públicos (NTN-B). A performance abaixo da meta atuarial traz inúmeros questionamentos por partes dos participantes destes planos que não conseguem compreender adequadamente os ajustes realizados e tendem a achar que houve um prejuízo nos investimentos de suas reservas.

Adicionalmente, o efeito mais prejudicial da marcação a mercado é sentido pelos participantes dos Planos CV e CD que estão em gozo dos seus benefícios e que em virtude de um ajuste de precificação contábil tem suas remunerações afetadas na medida que o não atingimento das metas é refletido na atualização de suas aposentadorias, pensões e/ou benefício de prestação continuada.

REFERÊNCIAS CITADAS - LINKS:

[1] – Link: https://fenaprevi.org.br/data/files/B9/B4/27/5C/CAEC481038D825483A8AA8A8/surpcrgpc_3tri22.pdf

[2] – Link:

https://www.bocater.com.br/publicacoes/previc-publica-perguntas-e-respostas-sobre-marcacao-de-investimentos/

[3] – Link:

https://www.bocater.com.br/publicacoes/marcacao-de-titulos-na-curva-ou-a-mercado-as-novas-regras-do-cnpc-para-fundos-de-pensao/

Avalie este conteúdo!
Em uma escala de 0 a 10, o quanto você recomendaria esse conteúdo para um amigo/familiar?
Obrigado pela sua participação!
Pessoas como você fazem da Capef um lugar melhor para todos :)
Erro ao enviar a pesquisa.