Carteiras Imobiliárias reciclam estratégias
22/10/2020
Enquanto aguardam revisão normativa, entidades fazem movimentos de desinvestimentos e estruturação de fundos imobiliários
O movimento de readequação das carteiras imobiliárias das Entidades Fechadas de Previdência Complementar está em andamento, impulsionado pela necessidade de ajuste à Resolução CMN nº4.661/2018. A norma proíbe a aquisição direta de imóveis, e os novos investimentos terão que ser feitos via Fundos de Investimento Imobiliário - FIL Além disso, a regra exige que todo o estoque atual nas carteiras seja obrigatoriamente alienado ou transformado em lastro para FII no prazo máximo de 12 anos, a contar da publicação da Resolução, ou seja, até 2030. Embora o prazo final ainda esteja distante, a preocupação com os efeitos da venda de grandes volumes de patrimônio e seu impacto sobre os resultados das carteiras permanece.
A discussão sobre uma eventual revisão da legislação, conduzida pelas fundações junto aos reguladores, é importante para o sistema como um todo e particularmente para as entidades com patrimônios imobiliários mais robustos. Ao mesmo tempo em que debatem a norma, as EFPCs cuidam de rever portfolios e ajustar estratégias aos novos tempos de juros baixos e mudanças trazidas pela pandemia.
"Esperamos que alguns aspectos da legislação sejam revistos. Hoje, a necessidade de desinvestir em imóveis com participação direta e a restrição a novos investimentos que não sejam sob a forma de FII criam alguns entraves para a gestão de quem tem um patrimônio expressivo como o nosso", aponta o Diretor de Investimentos da Petros, Alexandre Mathias. Ele ressalta que, além disso, a obrigação de vender os imóveis gera um risco tributário, o ITBI, sem que haja uma contrapartida.
Outra despesa que o modelo de FII adiciona é a cobrança da taxa de administração desses fundos que, no caso de um patrimônio considerável como o da Petros, atingirá um valor relevante. ''A volatilidade recente das cotas dos FIIs e os descasamentos significativos entre o valor de mercado e a cota patrimonial mostraram que esses fundos são instrumentos interessantes, mas não são uma solução para questões de liquidez e apreçamento", alerta Mathias. Para completar, o volume transacionado em mercado ainda é bastante baixo e vai levar algum tempo antes que cresça a ponto de absorver o patrimônio das grandes fundações.
Mathias diz entender que, no passado, houve razões objetivas para uma legislação mais restritiva, mas que agora há espaço para aperfeiçoamentos que enderecem todas essas questões. A discussão, assim como outros aspectos da legislação, tem encontrado um canal aberto e muito produtivo nos contatos com os reguladores.
''A expectativa de que haja alterações na regulação é positiva e os reguladores estão levando em conta a necessidade de mexer na regra que diz respeito aos estoques, talvez modificando ou mesmo retirando o prazo limite para alienação dos imóveis", reforça a Diretora de Investimentos da Funcef, Andrea Morata Videira. O ritmo de desinvestimento deveria ser ditado pelas necessidades dos planos de benefícios e não simplesmente por uma obrigatoriedade legal, enfatiza. Quanto à transferência desses ativos para fundos, ela lembra que é importante não trazer custos adicionais para as entidades, como os custos que existem nos FII.
Para o Gerente de Empreendimentos Imobiliários da Funcef, Fabiano Nogueira, a legislação veio para mitigar riscos e estruturar melhor esse tipo de investimento, o que é compreensível, inclusive ao impor o limite de até 25% para alocação em FII. "Mas a regra veio genérica e, no caso de grandes fundações que têm participações muito representativas em alguns imóveis, como é o nosso caso no Morumbi Shopping, a mudança acaba atingindo ativos que performam bem e calibram os resultados de investimentos".
Sem pressão
Enquanto a revisão da norma não acontece, a Petros já começou a ajustar sua carteira, com um movimento de desinvestimentos em ativos próprios e de estruturação de fundos imobiliários, antecipando-se ao prazo dado pelas novas regras, explica Alexandre Mathias. Ele lembra, contudo, que a premissa da gestão é obter o melhor retorno no segmento, sem imprimir pressa ao cronograma de desinvestimentos. ''A maior parte da nossa carteira é composta por ativos em participação direta e menos de 10% representam investimentos por meio de Fundos de Investimentos Imobiliários. Contudo, dado o prazo longo e como não precisamos vender ativos para obter liquidez, não há pressão para desinvestimentos."
Os ativos imobiliários correspondem a cerca de 4,69% (R$ 4,2 bilhões) da carteira total de investimentos da fundação, que vê na modalidade uma importante alternativa de diversificação, principalmente num cenário de juros baixos, pois reduz a volatilidade no portfólio global. No acumulado de janeiro a agosto de 2020, os investimentos nessa classe registraram retorno acumulado de 2,85%, bem superior ao IFIX (Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários da B3), referência para o segmento, que apresentou uma retração de 14,5% no período.
A Petros implementou recentemente um trabalho de aprimoramento da estrutura da área de investimentos e de qualificação das equipes para começar a atuar de forma mais ativa no mercado imobiliário. "Estamos também adequando a normatização do processo de investimento nessa classe de ativos, em busca de maior agilidade e eficiência", detalha Mathias. Ações pontuais direcionadas ao desinvestimento da carteira estão em análise, aguardando melhora dos preços.
Requalificação do portfólio
Com R$ 5,4 bilhões em alocações diretas e R$ 800 milhões em FII, representando um percentual próximo a 8% dos ativos totais, a Funcef havia começado a revisitar sua carteira imobiliária antes mesmo da nova legislação. Trata-se de um movimento de requalificação do portfolio feito com o apoio de uma consultoria externa, cujos resultados ainda serão apreciados pela Diretoria e Conselhos. ''A consultoria ajudou a montar uma matriz de veículos, subsegmentos e outros itens, casando esses dados com o momento vivido pela Funcef em sua política de investimentos. Isso ajuda a definir como serão investidos os recursos destinados ao mercado imobiliário," explica Andrea Videira.
A entidade também tem aproveitado as propostas que surgem para fazer algum desinvestimento sem vincular essas operações ao processo de enquadramento. "Temos feito movimentos pequenos e pontuais, aproveitando a atratividade e as oportunidades que o mercado nos apresenta'', destaca Andrea. No final do ano passado, por exemplo, foi vendido um complexo de lajes corporativas em Salvador, no valor de R$ 200 milhões.
Atualmente, a carteira imobiliária total da Funcef é composta por 30% de investimentos em shopping centers, 30% em lajes corporativas e galpões, 15% em hotéis e o restante em Flls, sendo quase que a totalidade num fundo monoativo que investe no edifício Torre Norte.
Aposta em FII selecionados
Na Vivest, um grande fundo de fundos de FII começou a ser montado entre o final de 2017 e o início de 2018. O advento da nova regulação já encontrou a entidade em meio a uma experiência positiva com a classe, e disposta a reduzir sua carteira de investimentos diretos. Entre os anos de 2018 e 2019, o fundo de fundos de FII Malibu rendeu 100%, o melhor investimento da Vivest naquele ano. "Paralelamente, o Conselho decidiu vender boa parte do que era imóvel de 'tijolo'. Hoje a nossa carteira é de apenas R$ 500 milhões, mas estamos vendendo R$ 200 milhões para tentar comprar mais FII ainda este ano", informa o Gerente de Investimentos de Renda Variável e Imobiliários, Paulo de Sá.
A regra na Vivest é rigorosa: entre outras limitações, só podem ser comprados FII com lastro em ativos conhecidos nos segmentos de lajes corporativas de melhor classificação (triple A), shopping centers e galpões de logística. "Temos um bom modelo proprietário e a inteligência interna foi bem montada'', afirma Sá.
Em 2020, embora o resultado tenha sofrido pelos efeitos da pandemia, o retorno acumulado ainda é bom. ''Aumentamos a posição em galpões de logística e redefinimos a posição em shoppings por conta da crise. A logística está indo muito bem por causa do crescimento dos negócios de e-commerce."
Perspectivas
As diretrizes e metas para as políticas de investimentos de 2021 estão em fase de definição na Petros, mas, a priori, o nível de exposição ao mercado imobiliário deverá se manter próximo dos patamares atuais, em torno de 4% da carteira. "A despeito de a pandemia ter levantado algumas dúvidas sobre as necessidades das empresas em termos de espaço corporativo, ainda trabalhamos com o cenário-base de recuperação da economia a partir de 2021", analisa Mathias. Com a concretização desse cenário, poderá haver uma recuperação da demanda, com a consequente reprecificação dos ativos, o que proporcionará a continuidade da estratégia de reciclagem da carteira em condições mais atrativas.
A perspectiva de retomada na construção civil e melhora na rentabilidade de ativos como shopping centers, hotéis e lajes corporativas é também a visão da Funcef para depois da crise. Mas o mercado é complexo e inclui impactos diferenciados. "O setor de turismo foi o mais afetado. Enquanto isso, os galpões de logística tiveram ótimos resultados e as indicações da construção civil mostram demanda por casas em condomínios de médio e alto padrão em cidades como São Paulo e Brasília", observa o Gerente da Funcef, Fabiano Nogueira. Tanto shoppings quanto hotéis, segmentos nos quais a Funcef tem forte participação, foram afetados e prejudicaram a rentabilidade das carteiras, diz Nogueira, mas os efeitos parecem ter sido mais pontuais. "Não estamos identificando ainda mudanças mais estruturais nos perfis dos segmentos."
Sem compulsoriedade
A flexibilização das regras é uma ne-cessidade de todo o sistema, reforça o Di-retor de Investimentos da Capef, Marcos Miranda. "O problema está na obrigação de vender ativos num prazo tão rígido, o que pode provocar movimentos fortes no mercado imobiliário, que já não anda muito bem!"
Na entidade de previdência dos funcionários do Banco do Nordeste do Brasil, o plano CV, mais jovem, nunca teve imóveis físicos, apenas FII, num conjunto diversificado de carteiras que investem em shoppings, logística, lajes, fundos de fundos, etc. No plano BD, que é maduro, já havia um processo gradual e cuidadoso de desfazimento de imóveis, orientado pelo ALM, para fazer frente aos pagamentos de benefícios, explica Miranda.
Hoje, a carteira imobiliária do plano BD é de R$ 212 milhões (5,8% do patrimônio).
Essa carteira sempre contribuiu fortemente para os ganhos, frisa o Diretor, com 787% de retorno acumulado frente a uma meta de 321 % nos últimos dez anos. Na parte física, são atualmente 16 imóveis comerciais em seis estados brasileiros. Os FII, presentes de maneira crescente nas carteiras dos dois planos, são diversificados e "bombaram'' em 2019, sendo representativos para o resultado final e para a estratégia de diversificação da Capef.
Por Martha Elizabeth Corazza, para a Revista Previdência Complementar, edição set/out de 2020.
Leia a Revista na íntegra aqui.