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Entrevista Abrapp: A crise como grande oportunidade

8 de junho de 2020

Entrevista Abrapp: A crise como grande oportunidade

8 de junho de 2020
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Entrevista Abrapp: A crise como grande oportunidade

7/6/2020

Entrevista publicada na Revista da Previdência Complementar (Abrapp)

Diante da crise atual, as perdas são inevitáveis em todos os países do mundo. A diferença está na forma como cada um deles lidará com o problema. É essa reação que definirá o ritmo da retomada, como defende o economista Paulo Rabello de Castro, ex-Presidente do BNDES e fundador da SR Rating, primeira empresa especializada em rating de riscos de crédito do Brasil.

Com a experiência adquirida ao longo dos anos, ele se juntou a outros especialistas para formular o chamado Programa de Retomada Consciente, em que elenca ações para auxiliar o setor econômico a sobreviver à crise e, claro, retomar o crescimento quando a normalidade voltar.

Nesta entrevista exclusiva, Rabello destaca ainda a importância do papel dos investidores de longo prazo na economia. “É preciso preservar esse sistema, que deve ser ativado neste momento como um colaborador importantíssimo do governo no processo de retomada consciente. Espero que esta conversa sirva como alerta. Dá tempo e tem jeito, porque a crise é uma grande oportunidade”, argumenta o economista.

Como você define o Brasil da pandemia?

Paulo Rabello: O Brasil da pandemia está muito próximo de um pandemônio. Podemos dizer que, para além do que está acontecendo com o Coronavírus, temos uma crise econômica muito grande que não está sendo administrada com a velocidade e nem com a intensidade necessária. Acho que velocidade e intensidade são as duas palavras-chave do momento, no atendimento do setor empresarial e do setor federativo, porque os governos estaduais e municipais entraram também no processo de perda de receitas. Mas há uma grande lentidão, que até seria justificável pela gravidade do processo, que deixará sequelas no desempenho do Produto Interno Bruto deste e do próximo ano. O Brasil da pandemia é um país que está, em parte, confortavelmente instalado em casa e, em outra, exposto. E esse grau de exposição é inevitável para um grupo grande de pessoas que são obrigadas a continuar tentando ganhar a vida. Há um agravamento das desigualdades. Óbvio que, com o nível de desemprego aumentando, apenas uma retomada do processo empresarial, com a ajuda de um grau elevado de coordenação governamental, é que seria capaz de fazer os investimentos decolarem no segundo semestre e começarem a ter uma influência positiva em 2021. Por enquanto, não estamos enxergando isso no horizonte, mas ainda dá tempo de mudar. Daí a nossa proposta de um programa de retomada para a economia.

Em que consiste esse programa de retomada?

Paulo Rabello: Ao longo dos anos, nossa consultoria tem realizado programas nacionais ou estaduais de desenvolvimento e estratégias para a aceleração do crescimento, como já fizemos em Mato Grosso e no Paraná, por exemplo. O programa nacional que estamos propondo está ancorado, basicamente, em três planos. O plano que eu chamo de “aéreo ou helicóptero”, em uma referência à rapidez emergencial com que é preciso chegar até o destinatário, tem como finalidade a distribuição rápida para milhões de pessoas dessa âncora emergencial que o governo, de fato, estabeleceu na faixa de R$ 600, mas que visivelmente não atinge ainda uma boa parte da população. Acho que existe pelo menos outra metade de todos os milhões que foram atendidos à espera de ajuda. E essa não é uma operação fácil, diga-se de passagem. Ela teria que ser menos discriminadora. Temos um Brasil ainda desconhecido das autoridades e que precisaria desse apoio no momento. O outro destinatário desse plano são as pequenas e médias empresas. E aí entramos em um campo onde a atuação tem sido próxima de zero. Até que esta revista circule, teremos passado mais de dois meses do início da pandemia e com um balanço ainda muito sofrido dessa abordagem para empresas, principalmente no campo comercial de serviços que são, no geral, empresas de pequeno porte, que vão acabar tendo que fechar suas portas por falta de um apoio mínimo de liquidez. O governo poderia já ter atuado através do BNDES, da Caixa Econômica e do Banco do Brasil por meio do sistema bancário via recolhimentos compulsórios. Ele liberou os recolhimentos compulsórios dos bancos, mas não condicionou essa liberação à ampla repactuação tanto da pessoa física quanto da pessoa jurídica de pequeno porte.

A etapa seguinte é a que vocês denominaram de “plano naval”, baseada no desembolso fiscal. Fale um pouco mais sobre ele.

Paulo Rabello: O Brasil vai ter um grave problema de aumento da dívida pública se não fizer os ajustes nas contas fiscais tanto do Governo Federal quanto, por indução, nos governos estaduais e municipais. Como nenhum ajuste seria perfeitamente plausível, nós idealizamos esse “plano naval”, chamado assim de flutuadores, em que se pretende manter uma relativa flutuação com resultados neste ano e nos anos consecutivos. Nossa proposta é de um corte dos orçamentos públicos e em todas as contas, que o Congresso poderia administrar de forma que algumas fossem preservadas, como a da saúde. É isso que significa administrar uma crise: reforçar os pagamentos das pessoas que estão na frente da batalha, aplicar os adicionais de periculosidade e insalubridade por tempo trabalhado, que realmente não estão sendo adequadamente praticados. Nesse momento, os salários poderiam ser refreados para equilibrar e fazer flutuar o orçamento como um todo, tanto neste ano quanto no próximo.

O terceiro pilar deste programa é o “plano terrestre”. O que seria?

Paulo Rabello: Ele atua sobre o território e tem como objetivo desenvolver projetos para retomada mais rápida dos investimentos, e isso poderia ser feito acionando as reservas internacionais do Brasil ou através do BNDES, que tem saldos bastante confortáveis. Trata-se de um plano recuperador da vitalidade econômica perdida. Achamos que esse plano tem fundamento econômico, desde que seja modulado com o “plano naval”, que faz flutuar o orçamento, fazendo uma revisitação de todas as rubricas de forma a sobrar, em bilhões, esse contra-ataque de investimentos para recuperar não só a atividade na indústria, na construção civil, como milhões de empregos. A parte relativa ao chamado “plano flutuador” inclui algo que é o equilíbrio fiscal dos estados e municípios que hoje pedem um socorro inferior a R$ 80 bilhões para cobrir a diferença entre o que vão deixar de arrecadar e o que deveriam arrecadar este ano. Portanto, é uma pedida multibilionária que vai de alguma forma pesar ainda mais sobre os contribuintes no orçamento Federal, mas deveria ser uma oportunidade de todos se sentarem e fazerem uma repactuação geral das dívidas do Estado: um grande pacto federativo que acelere vias de saneamento definitivo, não só paliativo, inclusive o aspecto de uma boa e necessária reforma tributária e, por que não, de uma reforma financeira em termos de competição bancária.

Por que chamar tudo isso de programa de retomada consciente?

Paulo Rabello: Este programa de retomada tem o nome de “consciente” exatamente porque eu não vejo consciência nem da magnitude da crise, nem das oportunidades de repactuação federativa que existiriam neste momento. Nós não vemos as lideranças se apoiando em grandes ideias para apresentar, na crise, grandes soluções. Estamos dando um super bom exemplo no campo de ação dos servidores públicos e privados na área da saúde. Já o campo político é exatamente o oposto do que a sociedade exigiria nesse momento.

A Previdência Complementar Fechada é formada, essencialmente, por investidores de longo prazo. Quais os impactos sobre esse segmento específico?

Paulo Rabello: A gestão de poupança a longo prazo é importantíssima. É disso que se trata a atividade de transporte de renda, por assim dizer, do presente para o futuro, realizado pelas entidades fechadas. Neste momento, podemos perceber uma certa perplexidade de lideranças setoriais, que já deveriam estar chamando os principais dirigentes da Abrapp para reformular as metas atuariais e estabelecer novos desafios factíveis dentro do enorme impacto que o setor sofreu. E que impacto é esse? É o impacto da perda de riqueza, de valor, de ativos de renda fixa, embora a economia comemore, por assim dizer, a baixa generalizada da taxa de juros. A verdade é que esse novo normal de taxa de juros no Brasil, com títulos públicos a pouco menos de 4% ao ano - podendo cair mais - destrói a possibilidade de atingimento da meta atuarial pelo lado da renda fixa. E com a pancada monumental sofrida do lado da renda variável, o patrimônio administrado momentaneamente foi desvalorizado. Isso já deveria ter sido objeto de discussão (do governo) com a Abrapp e os dirigentes. Se esse diálogo ainda não ocorreu, é porque há uma atitude refratária por parte da administração Federal, quando, na verdade, deveria haver uma atividade febril de arrumação da economia e desse setor que é importante na retomada dos investimentos, para que se una ao governo, fazendo o programa de retomada consciente acontecer. Eu confio muito na poupança institucional. Aliás, um dos itens importantes do chamado “plano terrestre” dentro do programa de retomada é aquele que ativa investimentos, utilizando uma pequena parcela das reservas internacionais aplicadas com valores de renda fixa no exterior. Se nós capturarmos US$ 30 bilhões que fossem para montar um fundo numa praça estrangeira qualquer, fazendo uma espécie de Plano Marshall de fora para o Brasil, já seria suficiente. Com a taxa de juros atual, daria mais de R$ 150 bilhões, administrados pelo BNDES, por exemplo, que tem profissionais preparados. Se as entidades deslocassem uma parte da sua renda fixa para a escolha de novos investimentos rentáveis para vir junto com esses US$ 30 milhões iniciais de alavancagem de investimentos, já estaríamos começando a falar em retomada de investimentos de longo prazo dando uma saída importante.

Como o patrimônio que se tem em reservas do sistema pode ser utilizado como estratégia para retomar essa economia?

Paulo Rabello: Eu diria que na reformulação da dosagem entre renda fixa e renda variável. Nós, historicamente, estamos acostumados a ter uma proporção de pelo menos três quartos de renda fixa para um quarto de renda variável numa carteira típica. Isso nos bons tempos dos juros altos dos títulos públicos, realidade que mudou radicalmente. Os fundos de pensão teriam que torcer por uma retomada consciente da economia ao invés dessa perspectiva que nós infelizmente hoje antevemos, que é de um desdobramento na forma de um L, e não na forma de um V. Estamos na vertente de queda do V, mas, em muitos países, as autoridades já fazem um discurso de que no ano que vem a subida da economia vai compensar a puxada para baixo. No caso brasileiro, porém, nem as autoridades estão tendo muita coragem de fazer esse discurso. Eles não têm um programa que seja adequado de retomada robusta; só conseguimos antever o L, ou seja, um comportamento de estabilização de queda. Isso significa, para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar, a manutenção de um panorama de desvalorização dos seus ativos durante um longo período, cristalizando o que eles pagam hoje aos seus beneficiários e o que podem antever para o futuro.

O que você diria para os investidores neste momento? Onde alocar recursos?

Paulo Rabello: Temos que ter um programa que começa do zero. É por isso que eu chamo de plano de retomada consciente. O consciente aí é um adjetivo que tem tremenda importância em termos de alerta para o fato de que estamos diante de algo muito novo, desconhecido. Portanto, tem que ser respeitado por ser complexo. Parte desse respeito está em dar importância para a necessidade de organizar, mudar nossas forças em torno disso. Até que isso aconteça, o meu prognóstico não é muito favorável. Vamos estender o processo de perda de valor de ativos da renda variável, manter esse estado de anemia nas taxas de juros por um longo período e as empresas vão, por precaução, preferir manter o pouco caixa que tiverem bem próximo. E essa é uma forma segura de a gente entrar em uma recessão muito duradoura, o que não é bom. Está todo mundo combinado que ninguém vai fazer nada. Infelizmente, o “fica em casa” tem esse desdobramento. Enquanto não voltarmos para nossa vida normal, e o isolamento é necessário porque o vírus é extremamente competente, agressivo, contagioso e traiçoeiro, sabemos que esse “ficar em casa” causará ao Brasil dobramentos gravíssimos em termos de perda de substância econômica. Em particular, o setor de poupança e os fundos de pensão, especialmente a poupança nacional organizada, são os que mais sofrem porque é um setor que está fundamentalmente no futuro. Aliás, o negócio das EFPCs é o futuro. Se não houver futuro, não há fundo de pensão. Pode até ter um compromisso de benefício, mas não vai ter o ativo. É preciso preservar esse sistema, que deve ser ativado neste momento como um colaborador importantíssimo do governo no processo de retomada consciente. Espero que esta conversa sirva como alerta. Dá tempo e tem jeito, porque a crise é uma grande oportunidade.

O que pode ser feito para tentar mitigar um pouco os efeitos da crise para o investidor institucional?

Paulo Rabello: Diretamente, muito pouco porque o governo não tem como, por decisão voluntarista, motivar a Bolsa a subir quando ela está caindo. O que ele pode, sim, é usar o BNDESPAR, um órgão dentro da estrutura do BNDES, como um estabilizador nesses processos de queda de Bolsa, inclusive trazendo ganhos para a própria instituição. Não é simplesmente entrar para comprar caro e depois vender barato. O órgão poderia atuar para oportunisticamente manter o preço um pouco melhor nos papéis, porque há a possibilidade de esperar um pouco mais, como órgão de investimento governamental, girando isso mais à frente. Quando houve a crise de 2008/2009, algumas empresas importantes do Brasil foram pegas de surpresa e, neste momento, o BNDESPAR se fez presente, transformando-se em investidor. Anos depois, como Presidente do BNDES, tive a oportunidade de fazer a fusão dessas duas grandes empresas, já completamente recuperadas, sadias e valorizadas. Houve um ganho de caixa da ordem de R$ 8,5 bilhões. Ao longo dos anos, a operação se mostrou extremamente bem-sucedida e lucrativa. Em determinados momentos, você salva ou não salva. É como uma UTI do Coronavírus: ou você tem respirador ou você não tem. É preciso atuar, não tem conversa. Na medida em que nós passamos a atuar inteligentemente na crise, parece que ocorre uma espécie de recuperação da esperança. É como uma guerra, a gente começa a ficar entusiasmado com a possibilidade de que vamos conseguir nos reunir, organizar melhor, e isso abre espaço para que surja uma nova sociedade, muito menos gastadora no setor público. Fizemos uma visita ao ministro Braga Neto com intuito de apresentar o programa de retomada consciente, o que pode servir como alento, neste momento, de que elementos no governo estão buscando saídas.

Algum país pode ser um exemplo para o Brasil?

Paulo Rabello: Eu sempre observo com muita atenção a Alemanha. Também poderiam ser os Estados Unidos, mas o problema é que eles estão constantemente em guerra com alguém e, então, até o orçamento público é para bater nos outros. A Alemanha hoje está firmemente em uma doutrina que eles chamam de doutrina de economia social de mercado, em que adotam princípios liberais inteligentes. O mercado tem supremacia sobre o governo, mas o governo sabe se posicionar; o sistema público funciona bem e ele consegue ter um razoável equilíbrio fiscal. Durante a crise de 2008/2009, os alemães foram os primeiros a utilizar o sistema de cortes emergenciais, estabeleceram um limitador de despesas e partiram para o controle das contas públicas, o que exigiu sacrifício.

O que esperar do Brasil pós-pandemia?

Paulo Rabello: Primeiro, um eleitorado mais exigente, por estar mais decepcionado. Segundo, vai mudar muito a maneira de as pessoas agirem. Elas serão mais cautelosas, até mesmo em relação à poupança. As pessoas que já tinham essa preocupação de ter algo para se manter quando acontecer um imprevisto, neste momento, ficarão ainda mais cautelosas. Seria interessante solidarizar o povo sobre esse objeto futuro, que é a apropriação do capital da sociedade. A sociedade brasileira deveria ter o direito de ser dona desse capital para se motivar a construir o futuro. Deveríamos valorizar o capital estatal para transformar o capital de todos através de um mecanismo de poupança previdenciária. É uma área interessante de ser retomada.

Fonte: Revista da Previdência Complementar (Abrapp)

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